| Neofinetia falcata | |
Esta é uma orquídea cuja importância transcende o universo botânico. A
Neofinetia falcata, popularmente conhecida como orquídea do samurai,
está fortemente associada à história do Japão feudal, carregando, até os dias
de hoje, os simbolismos e tradições que remontam à época de seu descobrimento.
A imagem delicada e minimalista de suas flores contrasta com a tradição
guerreira dos samurais, os representantes mais proeminentes do xogunato,
guiados pelos valores característicos da disciplina, lealdade e honra.
A existência da orquídea do samurai talvez forneça um
embasamento histórico à interessante aproximação desta família botânica com o
universo masculino. Durante muitos séculos, em várias culturas, os homens
formaram a maioria do contingente de cultivadores desta enigmática flor. Ainda
que esta primazia de gênero tenha caído por terra, neste novo milênio, é
bastante comum encontrarmos homens - e orientais - entre os colecionadores de
orquídeas.
Ainda que seja bastante diferente, a Neofinetia falcata guarda um
parentesco com orquídeas conhecidas e populares, como a
Vanda
e
Phalaenopsis. A orquídea do samurai é uma vandácea de hábito epífito e crescimento
monopodial. Isso significa que, na natureza, esta planta se desenvolve sobre
outras plantas, mais precisamente sobre os galhos das árvores, ficando com as
raízes expostas e aéreas. Além disso, assim como suas parentes, esta espécie
não possui pseudobulbos, emitindo uma folha sobre a outra, a partir de um
único ponto de crescimento.
Como já era de se imaginar, a orquídea do samurai é uma espécie botânica
tipicamente asiática, originária de países como Japão, China e Coreia.
Atualmente, há quem classifique a Neofinetia falcata como
Vanda falcata. Em países de língua inglesa, podemos encontrá-la como
samurai orchid ou wind orchid, orquídea do vento. A palavra
japonesa para este termo é fuuran.
A orquídea do samurai é cultivada pelos japoneses há mais de quatro séculos.
Durante o período Edo da história japonesa, que durou de 1603 a 1868, a
espécie Neofinetia falcata era considerada uma exclusividade da elite.
Uma vez que apenas crescia em locais inóspitos, de difícil acesso, em
florestas temperadas localizadas em regiões montanhosas, apenas os mais bravos
samurais tinham a capacidade de coletar estas orquídeas. Por serem tão
valiosas e exclusivas, estas plantas eram cultivadas em requintados vasos de
cerâmica, preenchidos com uma pequena montanha de musgo sphagnum,
frequentemente exibidas no interior de gaiolas douradas.
Por ser historicamente tratada como uma relíquia, a orquídea do samurai é, até
os dias de hoje, apreciada e colecionada tão somente por seu aspecto
vegetativo, independentemente da beleza das flores. Trata-se de uma planta de
porte compacto, que lembra uma Vanda em miniatura. Existem variedades
com folhas na forma variegata, mais raras. Assim como fazem com
um bonsai, os japoneses vão treinando cada folha da
Neofinetia falcata, de modo que ela não cresça de forma randômica,
espalhando-se para todos os lados. Tudo é milimetricamente planejado,
incluindo o monte de musgo sobre o qual as raízes da orquídea do samurai se
assentam.
Alternativamente, esta orquídea pode ser cultivada sob a forma epífita
convencional, com as raízes aderidas a pedaços de madeira ou troncos cortados
de árvores. Ainda que seja uma vandácea, não é comum vermos a orquídea do
samurai sendo cultivada com as raízes completamente aéreas, soltas ao vento,
como acontece com as Vandas tradicionais. Caso o típico monte de musgo
seja o material escolhido, é importante que o material não fique muito
compactado ou demasiadamente úmido. O sphagnum é conhecido pela sua
capacidade de reter um grande volume de água, de modo que a frequência das
regas deve ser bem espaçada, ocorrendo apenas quando o material estiver seco.
Também é importante salientar que não se trata de uma grande bola compacta de
musgo, como um kokedama. De modo geral, o sphagnum é assentado
sobre um vaso invertido ou qualquer outro recipiente, de modo que o interior
da esfera fica vazio.
A orquídea do samurai pode ser cultivada dentro de casas e apartamentos, uma
vez que aprecia as temperaturas amenas e constantes comumente encontradas
neste tipo de ambiente interno. Tudo o que ela precisa é da luminosidade
difusa e indireta fornecida por uma janela localizada o mais próximo possível
da planta. Uma boa circulação do ar é fundamental para garantir o
desenvolvimento da Neofinetia falcata. Neste tipo de ambiente, onde a
umidade relativa do ar costuma ser mais baixa, o cultivo com musgo
sphagnum é o mais recomendado. Basta mantê-lo bem aerado, solto e
levemente úmido. São as mesmas condições geralmente fornecidas para o cultivo
da
mini Phalaenopsis.
Neste caso, a adubação ideal é aquela inorgânica, do tipo NPK, capaz de
fornecer macro e micronutrientes à orquídea do samurai. Os fertilizantes
orgânicos irão causar a decomposição mais acelerada do substrato, podendo
também ocasionar queimaduras nas raízes. Já o adubo inorgânico deve ser
administrado com parcimônia, uma vez que o acúmulo de sais minerais pode
igualmente danificar as raízes da orquídea. Eu costumo alternar fórmulas de
manutenção, com níveis equilibrados de nitrogênio, fósforo e potássio, com
aquelas destinadas a induzir a floração, mais ricas em fósforo. Em ambos os
casos, utilizo metade da dose recomendada pelo fabricante.
Ainda que apresente um crescimento monopodial, a orquídea do samurai pode ser
multiplicada através do surgimento espontâneo de novas brotações ao longo das
axilas de suas folhas, na região mais próxima à base da planta, como acontece
com a orquídea Vanda. Comercialmente, o mais comum é que a planta seja
propagada em laboratório, através de sementes ou cultura de tecidos
meristemáticos.
Após um breve descanso durante o inverno, quando as regas e adubações devem
ser reduzidas, a orquídea do samurai explode em flores quando as temperaturas
começam a subir, no início da primavera. A floração da
Neofinetia falcata chega a durar dois meses, podendo estender-se por
todo o verão.
É interessante notar que as flores da orquídea do samurai, além de serem
bastante perfumadas, principalmente à noite, possuem uma anatomia típica, com
um comprido e delgado nectário, em forma de esporão. Apenas alguns agentes
polinizadores muito específicos, provavelmente mariposas, com um aparelho
denominado probóscide, são capazes de coletar o néctar que se encontra no
fundo destes longos tubos. Ao observar as flores de uma orquídea com uma
arquitetura similar, Angraecum sesquipedale, o célebre naturalista
Charles Darwin obteve um importante insight para a postulação da sua
teoria da evolução, uma vez que deveria existir um polinizador com uma
estrutura anatômica compatível com esta exótica flor.
Publicado em: | Última atualização:
Por Sergio Oyama Junior
Bacharel em biologia pela Unicamp, com mestrado e doutorado em bioquímica pela Usp, escreve sobre o cultivo de orquídeas, suculentas, cactos e outras plantas dentro de casas e apartamentos.
São Paulo, SP, Brasil
Bacharel em biologia pela Unicamp, com mestrado e doutorado em bioquímica pela Usp, escreve sobre o cultivo de orquídeas, suculentas, cactos e outras plantas dentro de casas e apartamentos.
São Paulo, SP, Brasil