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Como polinizar orquídeas


Orquídea Sophrocattleya Batemaniana
| Sophrocattleya Batemaniana |

Embora as flores das orquídeas sejam mundialmente apreciadas pela sua beleza, cores, fragrâncias e diversidade, a finalidade última destas estruturas é garantir a reprodução e perpetuação das espécies. É com a ajuda dos agentes polinizadores, que podem ser pássaros ou insetos, entre outros, que as orquídeas se reproduzem, gerando descendentes capazes de se espalhar por longas distâncias. Trata-se, contudo, de um processo bastante demorado e incerto. Dentre as milhares de sementes produzidas, apenas algumas irão germinar e, dentre estas, poucas chegarão a produzir uma planta adulta. É por esta razão que a polinização das orquídeas, com fins comerciais, costuma ocorrer de forma artificial, em ambiente de cultivo, e sua germinação é levada a cabo em laboratórios especializados.

Há, no entanto, diversas ocasiões em que este processo de polinização das orquídeas ocorre espontaneamente, em nossos orquidários, com a ajuda de algum agente polinizador misterioso. Foi o que aconteceu aqui no apartamento, com a orquídea que ilustra a abertura deste artigo, a Sophrocattleya Batemaniana. De uma hora para outra, a flor começou a se fechar, precocemente. Este é o primeiro sinal de que a orquídea foi polinizada. Ao contrário do fenecer natural, com a idade avançada, a flor começa a se fechar muito rapidamente, em questão de horas, quando ainda é jovem. Concomitantemente, podemos ver que a região do cabinho da flor, onde se alojam os ovários, passa por algumas transformações. Quando a orquídea é fecundada, o pedúnculo começa a se inflar para, no futuro, dar origem a uma cápsula de sementes.


O curioso é que eu já havia tentado, por várias vezes, polinizar algumas flores da orquídea Phalaenopsis, sem sucesso. Desta vez, a natureza encarregou-se de fazer todo o trabalho, sem que eu percebesse. A seguir, vou descrever de forma resumida os procedimentos para se obter uma orquídea polinizada, como a da foto. O resultado final, com o relato da trajetória entre a formação da cápsula e o plantio das sementes, encontra-se neste artigo.

Método artificial


Este é o procedimento utilizado pelos produtores de orquídeas, que dedicam-se ao cruzamento controlado de excelentes plantas matrizes, em busca de novas e mais belas formas e cores. A grande maioria das orquídeas é hermafrodita, ou seja, possui em uma mesma flor os elementos reprodutores masculino e feminino. Ao contrário das flores que conhecemos, que comumente lançam milhares de partículas de pólen ao vento, as orquídeas possuem polínias, que são um aglomerado condensado de grãos microscópicos de pólen. O número de polínias em uma mesma flor varia conforme o gênero de orquídea.

Com a ponta de um pequeno palito de madeira, encostamos delicadamente nestas estruturas em forma de pequenas esferas, que imediatamente destacam-se da flor doadora e aderem-se ao palito. Depois, basta encaminhar-se à flor receptora e inserir estas pequenas massas de pólen na cavidade gelatinosa do estigma, a entrada do aparelho reprodutor feminino da flor. Parece simples, mas é um processo bastante delicado. Como minhas mãos são firmes como gelatina, chego a suar frio de tanto nervosismo. No caso de mini e micro-orquídeas, o processo é quase impossível para mim, já que a visão e a idade conspiram contra.


Mesmo quando tudo vai bem, em relação à parte mecânica da polinização artificial, pode ser que a fecundação não ocorra de fato. Diversos fatores, como a compatibilidade entre os pares envolvidos, estágio de maturação de cada uma das flores, fases da lua, marés, tudo interfere. Nem sempre a polinização de uma orquídea é bem-sucedida, devido a fatores alheios à nossa vontade.

Um capítulo curioso e triste que presenciei, em relação a este processo de polinização artificial, é que existem, surpreendentemente, pessoas desonestas que roubam as polínias de orquídeas raras e valiosas, à mostra em exposições. São plantas de colecionadores, que, volta e meia, surpreendem-se com o sumiço das polínias de suas raras orquídeas. Pergunto-me até onde vai a cobiça do ser humano.

Método natural


Este é o processo mais bonito de se observar, apesar de lidarmos com o imponderável. Neste caso, precisamos de ajudantes, os agentes polinizadores. Podem ser abelhas, mariposas, formigas, pequenos pássaros. O problema, neste caso, é que não podemos controlar quem vai cruzar com quem. Deste modo, a cápsula de sementes resultante é uma incógnita. Na natureza, este fenômeno é o responsável pela beleza e riqueza de formas e cores das orquídeas que lá encontramos, sejam espécies ou híbridos primários naturais. É graças ao trabalho incessante destes polinizadores que temos a variabilidade genética da flora que ainda cobre o planeta. O método de polinização artificial, muitas vezes, cria híbridos que não existem na natureza. Sendo assim, eles também têm menos chances de serem polinizados naturalmente, já que os polinizadores costumam ser específicos para cada orquídea.

Método misto


No caso aqui das orquídeas no apê, tudo é sempre mais atrapalhado e imprevisível. Após inúmeras tentativas de polinização artificial, eis que surge do nada uma orquídea naturalmente polinizada. Não sei quem foi o responsável, é raríssimo eu encontrar um inseto na varanda. No entanto, esta fecundação não pode ser considerada puramente natural, já que envolve orquídeas híbridas, produzidas em laboratório pelo homem.


No meu caso, a única coisa que sei é a identidade da mãe, Sophrocattleya Batemaniana, a orquídea polinizada da foto, que foi retratada em seu momento wabi-sabi, com as pétalas já definhando. Quanto ao pai, tenho um suspeito, mas não sei ao certo. Lembro-me do fato de que, na época, havia uma outra orquídea florida na sacada, a Sophrolaelia Marriotiana. Se fosse este o pai, seria um casal maravilhoso e provavelmente gerariam uma bela e interessante prole. Mas não há como ter certeza. O pólen pode ter vindo de outras orquídeas da vizinhança, ou pode ser da própria orquídea polinizada.

Apesar destas indefinições, a decepção da morte precoce desta orquídea, e a subsequente surpresa de sua polinização, resultaram em uma experiência única, a alegria de presenciar um sublime processo que mostra, ao menos no caso das flores, que existe vida após a morte. Tudo é ainda mais surpreendente quando constatamos a polinização de uma orquídea na varanda de um apartamento, encarapitada no décimo andar, em meio à poluição de uma cidade grande.

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Bacharel em biologia pela Unicamp, com mestrado e doutorado em bioquímica pela Usp, escreve sobre o cultivo de orquídeas, suculentas, cactos e outras plantas dentro de casas e apartamentos.

São Paulo, SP, Brasil